Olhando para o espelho, Raabe contemplou o próprio reflexo e sorriu, dando-se quase por satisfeita.
Puxou o (justo) vestidinho vermelho mais para cima, para que suas pernas torneadas ficassem à mostra.
Maquiou-se lentamente e com esmero, passou hidratante nos braços e nas pernas e preparou-se para o último (e mais importante, em sua opinião) retoque: O batom.
Consultando sua necessaire, selecionou seu batom preferido e levou-o aos lábios.
Contornando-os com cuidado, quase se borrou ao ouvir um barulho no andar de cima da casa.
Provavelmente eram seus pais, se mexendo na cama. Eles sempre se deitavam cedo e fingiam que iam dormir, para evitar ver a filha sair para o "trabalho".
Mesmo após muitos anos, eles ainda não haviam se acostumado, embora para Raabe a profissão de prostituta já fosse algo completamente natural.
Sim, ela era prostituta. Simples assim e ponto final.
Raabe já não se importava com os comentários dos vizinhos.
Também já se acostumara a ser usada e descartada por vários homens.
A Prostituição era a sua rotina, seu ganha-pão e seu destino.
Sua vida era daquele jeito e jamais mudaria.
Com os lábios pintados e torcendo para que aquela fosse uma boa noite para os "negócios", Raabe pegou sua bolsa e se preparou para sair, quando ouviu batidas na porta.
Mal sabia ela que ao abrir aquela porta, receberia a visita mais importante de toda a sua vida.
***
Quem poderia ser àquela hora?
Seria algum cliente mais abusado ou alguém ansioso demais para esperá-la?
Raabe abriu a porta e se deparou com dois homens.
- Olá. - Um deles diz.
Conhecedora de toda a população masculina da cidade de Jericó, Raabe concluiu rapidamente que os visitantes eram estrangeiros.
- Olá. - Responde, sem conseguir se lembrar da última vez que fora cumprimentada por alguém. - Quem são vocês?
- Somos estrangeiros e precisamos de abrigo. - Responde um dos homens, enquanto o outro confirmava com a cabeça.
Raabe franziu a testa.
- Bem, há uma pensão aqui ao lado. - Diz secamente. - Lamento dizer que vocês não bateram numa casa adequada e...
- A senhorita se chama Raabe? - Pergunta um dos homens, olhando-a nos olhos.
- S-sou. - Gagueja a mulher, confusa com o fato de ter sido chamada de senhorita.
- Raabe, a... - O homem parecia constrangido em completar a frase.
- A prostituta. - Emendou Raabe, em tom de orgulho. - Sou eu mesma.
- Pois é justamente aqui que queremos passar a noite. - Diz o homem.
Repentinamente, Raabe abre um sorriso malicioso, maravilhada com o fato de seus "serviços" estarem atravessando fronteiras!
- Podem entrar. - Disse, enquanto os homens entram. - Eu cobro...
- Não, querida. - Interrompeu-a um dos homens. - Não queremos usá-la.
- Não estamos aqui em busca de prazer. - Completou o outro. - Foi Deus quem nos instruiu a bater em sua porta.
Aturdida, Raabe percebe que a noite não seria como imaginava. Fechando a porta, convida os homens a se sentarem no sofá da sala e pergunta:
- Quem é esse deus de vocês?
- O Senhor, o Deus de Israel.
A boca (banhada em batom berrante) de Raabe se abre. Ela já havia ouvido sobre os feitos daquele tal "Senhor".
- Aquele Senhor que abriu o Mar e livrou o Seu povo do Egito? - Pergunta em tom de espanto.
- Este mesmo. - Respondem os homens em uníssono. - Nós somos espias do povo de Israel. Viemos conhecer Jericó e traçar nossa estratégia de guerra.
Raabe havia ouvido um boato parecido, dito por uma colega de esquina.
- Vocês vão dominar Jericó! - Ela exclama. - Já tem uma porção de gente da cidade morrendo de medo de vocês!
- Deus nos dará esta cidade. - Responde um dos homens, sorrindo. - Ele nos mandou até aqui e...
Batidas na porta o interrompem. Batidas ruidosas e apressadas.
Antes que Raabe pudesse perguntar quem é, um homem (não muito delicado) grita:
- Polícia! Abra a porta imediatamente.
***
Os enviados de Deus sacam as armas, preparados para um confronto, mas Raabe tem uma ideia melhor.
- Escondam-se no telhado! - Ela diz, guiando-os escada acima.
Após menos de um minuto, ajeitando-se e controlando o nervosismo, ela abre a porta.
- Onde estão os homens? - Pergunta o policial mal-educado, sem sequer pensar em cumprimentá-la.
- Que homens? - Replica Raabe, em tom inocente.
- Não se faça de boba, prostituta! Os vizinhos falaram que os dois homens israelitas entraram aqui e nós vamos vasculhar a casa inteira se você não abrir a boca!
Raabe escancara a boca, fingindo espanto.
- Então aqueles homens tão gentis eram israelitas? Nossa! Que falsos!
- E onde eles estão, sua vagabunda? - Pergunta o policial, ensandecido.
Raabe, a "amiga do 190", responde:
- Corra, senhor policial, eles foram em direção à floresta! Se o senhor correr, conseguirá alcançá-los!
O policial (obviamente) não agradece e sai correndo, gritando ordens a seus homens.
Pela primeira vez na História, uma Prostituta agira como uma Heroína.
***
Raabe fechou a porta e os espias desceram.
- Muito obrigado, senhorita! Você nos salvou! - Dizem.
A prostituta se espanta novamente. Há anos alguém não lhe agradecia por alguma coisa!
- De nada. - Responde. - Pelo que eu já ouvi e agora ainda mais por conhecê-los, eu creio no Poder do Deus de vocês e peço uma coisa: Quando invadirem a cidade, poupem a minha vida e a vida de minha família.
Os homens fazem uma promessa solene.
- A nossa vida responderá pela sua vida! Você e toda a sua família permanecerão sãos e salvos!
- Então vou ajudá-los a sairem sem serem vistos e ensinar-lhes um caminho seguro. - Diz Raabe.
- Mais uma vez obrigado! - Responde um dos homens.
- E que o Senhor te abençoe e te recompense por toda a sua bondade! - Diz o outro
- Oh! Eu é que agradeço! - Exclama Raabe, sem resistir ao impulso de abraçá-los.
Os três riem e desta vez Raabe tem certeza:
Aquela fora a primeira vez em que abraçara um homem sem segundas intenções!
Os homens saem pela janela, através de uma corda e voltam sãos e salvos para o seu povo.
Quanto a Raabe... Bem, ela desiste de sair e sobe para o seu quarto.
***
Chegando lá, ela deixa a bolsa sobre a cômoda e senta-se na beirada da cama, recapitulando cada segundo daquela visita inesperada.
Dois homens educados e que a chamavam de senhorita.
Dois homens enviados por... Deus.
Que Deus diferente aquele!
Um Deus que não se importava em visitar uma prostituta.
Um Deus que a enxergava como uma mulher normal.
Um Deus que, de alguma maneira que Raabe ainda não entendia, fazia-a sentir-se amada.
Subitamente, lágrimas escorrem pelo seu rosto, manchando sua maquiagem.
Amada. Querida. Valorizada.
Era isso que Raabe quis ser durante todos os anos de noitada e solidão.
Lentamente, ela se recorda dos homens com os quais se deitara e das noites distantes de seu quarto.
Raabe era expert no Prazer, mas desconhecia o Amor.
Desconhecia até aquele dia.
Pois, naquele momento, resolveu não ser mais a mesma.
Sabia que o Senhor (Sim, o Senhor a conhecia!) a havia poupado e lhe dado uma nova chance.
Uma chance de mudar sua Vida e reescrever sua História.
Ainda chorando, Raabe se ajoelha ao pé da cama.
Ela não sabe o que dizer, mas sabe que está sendo ouvida.
- Obrigada por me visitar, Senhor... - Sussurra.
Em seguida, Raabe se levanta e vai ao banheiro lavar o rosto.
A maquiagem escorre e com ela o batom também se vai. Após muitos anos, Raabe redescobre a beleza da cor natural de seus lábios.
Voltando para o quarto, ela abre o guarda-roupas. Escondido em meio às camisolas sensuais (que em breve irão para o lixo), está o pijama que usava quando era apenas uma jovem inocente.
Ela o veste, apreciando o fato das curvas de seu corpo estarem escondidas pelo tecido.
Sorrindo, ela se volta para a cama e contempla os lençóis.
Num gesto simbólico e profético, ela resolve trocá-los.
Afinal de contas, uma nova mulher merece novos lençóis.
Finalmente deitada, a nova Raabe não consegue dormir.
Ela mal pode esperar pelo amanhecer.
Ela quer abraçar os pais e contar-lhes a Novidade:
A Prostituta se foi para sempre!
Raabe agora era uma autêntica senhorita...
Que post abençoado, meu amado!
ResponderExcluirVoce é meu canal preferido!
Eu te amoo muiiito!
Ungido do Senhor!