24 de outubro de 2011

A Senhorita

(Post baseado em Josué 2)

Olhando para o espelho, Raabe contemplou o próprio reflexo e sorriu, dando-se quase por satisfeita.

Puxou o (justo) vestidinho vermelho mais para cima, para que suas pernas torneadas ficassem à mostra.

Maquiou-se lentamente e com esmero, passou hidratante nos braços e nas pernas e preparou-se para o último (e mais importante, em sua opinião) retoque: O batom.

Consultando sua necessaire, selecionou seu batom preferido e levou-o aos lábios.

Contornando-os com cuidado, quase se borrou ao ouvir um barulho no andar de cima da casa.

Provavelmente eram seus pais, se mexendo na cama. Eles sempre se deitavam cedo e fingiam que iam dormir, para evitar ver a filha sair para o "trabalho".

Mesmo após muitos anos, eles ainda não haviam se acostumado, embora para Raabe a profissão de prostituta já fosse algo completamente natural.

Sim, ela era prostituta. Simples assim e ponto final.

Raabe já não se importava com os comentários dos vizinhos.

Também já se acostumara a ser usada e descartada por vários homens.

A Prostituição era a sua rotina, seu ganha-pão e seu destino.

Sua vida era daquele jeito e jamais mudaria.

Com os lábios pintados e torcendo para que aquela fosse uma boa noite para os "negócios", Raabe pegou sua bolsa e se preparou para sair, quando ouviu batidas na porta.

Mal sabia ela que ao abrir aquela porta, receberia a visita mais importante de toda a sua vida.



***

Quem poderia ser àquela hora?

Seria algum cliente mais abusado ou alguém ansioso demais para esperá-la?

Raabe abriu a porta e se deparou com dois homens.

- Olá. - Um deles diz.

Conhecedora de toda a população masculina da cidade de Jericó, Raabe concluiu rapidamente que os visitantes eram estrangeiros.

- Olá. - Responde, sem conseguir se lembrar da última vez que fora cumprimentada por alguém. - Quem são vocês?

- Somos estrangeiros e precisamos de abrigo. - Responde um dos homens, enquanto o outro confirmava com a cabeça.

Raabe franziu a testa.

- Bem, há uma pensão aqui ao lado. - Diz secamente. - Lamento dizer que vocês não bateram numa casa adequada e...

A senhorita se chama Raabe? - Pergunta um dos homens, olhando-a nos olhos.

- S-sou. - Gagueja a mulher, confusa com o fato de ter sido chamada de senhorita.

- Raabe, a... - O homem parecia constrangido em completar a frase.

- A prostituta. - Emendou Raabe, em tom de orgulho. - Sou eu mesma.

- Pois é justamente aqui que queremos passar a noite. - Diz o homem.

Repentinamente, Raabe abre um sorriso malicioso, maravilhada com o fato de seus "serviços" estarem atravessando fronteiras!

- Podem entrar. - Disse, enquanto os homens entram. - Eu cobro...

- Não, querida. - Interrompeu-a um dos homens. - Não queremos usá-la.

- Não estamos aqui em busca de prazer. - Completou o outro. - Foi Deus quem nos instruiu a bater em sua porta.

Aturdida, Raabe percebe que a noite não seria como imaginava. Fechando a porta, convida os homens a se sentarem no sofá da sala e pergunta:

- Quem é esse deus de vocês?

- O Senhor, o Deus de Israel.

A boca (banhada em batom berrante) de Raabe se abre. Ela já havia ouvido sobre os feitos daquele tal "Senhor".

- Aquele Senhor que abriu o Mar e livrou o Seu povo do Egito? - Pergunta em tom de espanto.

- Este mesmo. - Respondem os homens em uníssono. - Nós somos espias do povo de Israel. Viemos conhecer Jericó e traçar nossa estratégia de guerra.

Raabe havia ouvido um boato parecido, dito por uma colega de esquina.

- Vocês vão dominar Jericó! - Ela exclama. - Já tem uma porção de gente da cidade morrendo de medo de vocês!

- Deus nos dará esta cidade. - Responde um dos homens, sorrindo. - Ele nos mandou até aqui e...

Batidas na porta o interrompem. Batidas ruidosas e apressadas.

Antes que Raabe pudesse perguntar quem é, um homem (não muito delicado) grita:

- Polícia! Abra a porta imediatamente.

***

Os enviados de Deus sacam as armas, preparados para um confronto, mas Raabe tem uma ideia melhor.

- Escondam-se no telhado! - Ela diz, guiando-os escada acima.

Após menos de um minuto, ajeitando-se e controlando o nervosismo, ela abre a porta.

- Onde estão os homens? - Pergunta o policial mal-educado, sem sequer pensar em cumprimentá-la.

- Que homens? - Replica Raabe, em tom inocente.

- Não se faça de boba, prostituta! Os vizinhos falaram que os dois homens israelitas entraram aqui e nós vamos vasculhar a casa inteira se você não abrir a boca!

Raabe escancara a boca, fingindo espanto.

- Então aqueles homens tão gentis eram israelitas? Nossa! Que falsos!

- E onde eles estão, sua vagabunda? - Pergunta o policial, ensandecido.

Raabe, a "amiga do 190", responde:

 - Corra, senhor policial, eles foram em direção à floresta! Se o senhor correr, conseguirá alcançá-los!

O policial (obviamente) não agradece e sai correndo, gritando ordens a seus homens.

Pela primeira vez na História, uma Prostituta agira como uma Heroína.

***

Raabe fechou a porta e os espias desceram.

- Muito obrigado, senhorita! Você nos salvou! - Dizem.

A prostituta se espanta novamente. Há anos alguém não lhe agradecia por alguma coisa!

- De nada. - Responde. - Pelo que eu já ouvi e agora ainda mais por conhecê-los, eu creio no Poder do Deus de vocês e peço uma coisa: Quando invadirem a cidade, poupem a minha vida e a vida de minha família.

Os homens fazem uma promessa solene.

- A nossa vida responderá pela sua vida! Você e toda a sua família permanecerão sãos e salvos!

- Então vou ajudá-los a sairem sem serem vistos e ensinar-lhes um caminho seguro. - Diz Raabe.

- Mais uma vez obrigado! - Responde um dos homens.

- E que o Senhor te abençoe e te recompense por toda a sua bondade! - Diz o outro

- Oh! Eu é que agradeço! - Exclama Raabe, sem resistir ao impulso de abraçá-los.

Os três riem e desta vez Raabe tem certeza:

Aquela fora a primeira vez em que abraçara um homem sem segundas intenções!

Os homens saem pela janela, através de uma corda e voltam sãos e salvos para o seu povo.

Quanto a Raabe... Bem, ela desiste de sair e sobe para o seu quarto.



***

Chegando lá, ela deixa a bolsa sobre a cômoda e senta-se na beirada da cama, recapitulando cada segundo daquela visita inesperada.

Dois homens educados e que a chamavam de senhorita.

Dois homens enviados por... Deus.

Que Deus diferente aquele!

Um Deus que não se importava em visitar uma prostituta.

Um Deus que a enxergava como uma mulher normal.

Um Deus que, de alguma maneira que Raabe ainda não entendia, fazia-a sentir-se amada.

Subitamente, lágrimas escorrem pelo seu rosto, manchando sua maquiagem.

Amada. Querida. Valorizada.

Era isso que Raabe quis ser durante todos os anos de noitada e solidão.

Lentamente, ela se recorda dos homens com os quais se deitara e das noites distantes de seu quarto.

Raabe era expert no Prazer, mas desconhecia o Amor.

Desconhecia até aquele dia.

Pois, naquele momento, resolveu não ser mais a mesma.

Sabia que o Senhor (Sim, o Senhor a conhecia!) a havia poupado e lhe dado uma nova chance.

Uma chance de mudar sua Vida e reescrever sua História.

Ainda chorando, Raabe se ajoelha ao pé da cama.

Ela não sabe o que dizer, mas sabe que está sendo ouvida.

- Obrigada por me visitar, Senhor... - Sussurra.

Em seguida, Raabe se levanta e vai ao banheiro lavar o rosto.

A maquiagem escorre e com ela o batom também se vai. Após muitos anos, Raabe redescobre a beleza da cor natural de seus lábios.

Voltando para o quarto, ela abre o guarda-roupas. Escondido em meio às camisolas sensuais (que em breve irão para o lixo), está o pijama que usava quando era apenas uma jovem inocente.

Ela o veste, apreciando o fato das curvas de seu corpo estarem escondidas pelo tecido.

Sorrindo, ela se volta para a cama e contempla os lençóis.

Num gesto simbólico e profético, ela resolve trocá-los.

Afinal de contas, uma nova mulher merece novos lençóis.

Finalmente deitada, a nova Raabe não consegue dormir.

Ela mal pode esperar pelo amanhecer.

Ela quer abraçar os pais e contar-lhes a Novidade:

A Prostituta se foi para sempre!

Raabe agora era uma autêntica senhorita...

Um comentário:

  1. Que post abençoado, meu amado!

    Voce é meu canal preferido!

    Eu te amoo muiiito!

    Ungido do Senhor!

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