"E disse Abraão a seus moços: Ficai-vos aqui com o jumento. Eu e o moço iremos até ali e, havendo adorado, voltaremos."
Gênesis 22:5
Abraão deveria estar
desesperado, mas está
seguro.
Deveria
gritar, mas fala
calmamente.
Planeja a
volta mesmo sem saber como será a
ida.
Como ele consegue?
Simples.
A
Fé ignora a
Lógica e abraça o
Impossível.
Na base do
monte, Abraão pede a seus
empregados que o esperem
voltar.
-
Isaque e eu iremos até ali. - Diz. -
E, após adorarmos ao Senhor, voltaremos.
Ouvindo-o, você pensaria que
ambos iriam a um
piquenique de oração.
A
verdade, no entanto, é um pouco mais
espinhosa.
Abraão leva nas mãos uma
faca e uma
tocha.
Nos ombros, Isaque leva
lenha.
Pai e
filho iriam até o topo do monte realizar um
sacrifício.
Só
faltava uma coisa: O
animal a ser sacrificado.
Isaque não precisou ter um
Facebook para perceber esse
detalhe.
-
Pai, temos tudo. - Diz o jovem. -
Mas... onde está o cordeiro?
Por favor,
respire fundo.
E, se
possível, coloque-se ao
lado de Isaque e olhe para o
rosto enrugado de Abraão.
Naquele momento, ele sabia que o "
cordeiro" era seu
filho.
Sabia que levava Isaque para a
morte.
Sabia que sacrificaria a mais
preciosa parte de
si mesmo.
Ouvir aquela pergunta poderia tê-lo feito
desmoronar. Mas Abraão preferiu
profetizar:
-
Deus proverá o cordeiro, meu filho.
Não há
dúvida em suas palavras.
Não há
medo.
Tampouco
ironia.
Abraão
fecha os olhos, se lembra de seus
empregados ao pé do morro e, de alguma forma,
crê.
Crê!
E eles continuam a
subir a montanha...
***
Abraão não estava
entendendo nada, mas isso não o impedia de
crer em tudo.
Na noite anterior,
Deus lhe aparecera.
E, ao contrário das costumeiras
boas notícias, trazia-lhe uma
bomba:
-
Abraão, tome teu único filho e ofereça-o a Mim em sacrifício, no topo do monte Moriá.
Uma Ordem
clara. Porém não
ameaçadora.
Não há nenhum "
senão" na Ordem de Deus.
Nada como:
"Abraão, faça isso ou eu te mato!"
"Abraão, faça isso ou eu te deixo aleijado!"
"Abraão, faça isso ou eu te obrigarei a ser vascaíno!"
Não, nada de trocas,
barganhas ou bravatas.
Deus deu apenas uma
Ordem. Ordem esta que poderia ser
desobedecida.
Abraão, no entanto, sequer
cogitou essa possibilidade.
De alguma forma, ele soube que
iria.
Ele
obedeceu.
"Por que?", perguntamos,
"Como ele pôde?".
Tenho um
palpite. Acho que ele se
lembrou de algo que costumamos
esquecer:
Deus é
bom.
E, de alguma forma, tudo acabaria
bem.
***
-
Chegamos, pai. - Diz
Isaque, pousando a lenha no chão.
Abraão assente e olha para o
céu.
E, ainda que não
nada veja,
crê.
***
Isaque não era
bobo.
É impossível não
suspeitar de algo quando se vê o pai retirar uma
corda do bolso.
É impossível não
gritar e perguntar
"Por quê?" enquanto ele começa a
amarrá-lo.
É impossível não
chorar ao ver o brilho da
faca presa à cintura do pai.
Os
olhos de Isaque
gritam.
"Pai, farás isso comigo?"
Abraão, porém, os
venda.
E
deposita o filho amarrado sobre uma grande
pedra.
O
Altar está pronto.
Abraão pega a
faca e, novamente, olha para o
Céu.
Nada acontece.
"Senhor, farás isso comigo?"
***
Abraão olha para o filho
amado.
E mais uma vez tem a chance de
desobedecer.
Desamarrá-lo e
acabar com tudo aquilo.
Ir
embora e simplesmente
ignorar o Deus que o levou até ali.
Mas, de alguma forma, ele decide
ficar.
Ergue a
faca ao céu.
Fecha os
olhos.
E desfere o
golpe.
***
Se
Deus fosse como
pensamos que é, este seria o
fim da história.
Nós também subimos
montes.
Agendas lotadas
Empregos competitivos
Famílias complicadas
Nos também possuímos
Isaques.
Sonhos
Planos
Namorados
Mas, ao
contrário de Abraão, não cremos no "
de alguma forma".
Quando Deus ordena,
desobedecemos.
Quando não O entendemos, preferimos
ignorá-Lo.
Quando Ele nos tira algo, nos
revoltamos.
Quando Ele nos pede algo,
acusamo-No.
Se
Deus fosse como
pensamos, a faca de Abraão teria
rasgado a pele de Isaque.
Mas, de alguma forma, Deus nos
ama.
E é esse
Amor que escreve a nossa
história...
***
-
Pare, Abraão!
Com a faca a um
palmo do coração de Isaque, uma
voz é ouvida.
Um
Anjo aparece.
E, de alguma forma, Abraão não está
surpreso.
(Ele nunca deixou de crer, lembra-se?)
-
Não faça nada com seu filho! - Diz o
Anjo. -
Este foi uma prova e você foi aprovado. Agora, todos saberão que você é fiel a Deus!
O
Anjo se vai.
Amarrado e vendado
(porém não surdo), Isaque
chora.
E o pai, antes
carrasco, se torna
exemplo.
Abraão o
abraça e o liberta das
cordas.
Antes, porém, que algo possa ser
dito, um "
béééé" é ouvido.
Um
cordeiro, preso entre
arbustos, mostra que, de alguma forma, Deus havia
provido!
***
-
Vamos voltar para casa, pessoal! - Diz Abraão, abraçado a Isaque.
Os dois
empregados olham para os patrões
sorridentes.
Aparentemente, o tal
piquenique deve ter sido
ótimo...